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Política de Drogas brasileira é a pior avaliada em ranking de 30 países

The Global Drug Policy Index mediu alinhamento dos Estados com princípios de direitos humanos, saúde e desenvolvimento socioeconômico

Política de Drogas brasileira é a pior avaliada em ranking de 30 países
#ParaTodosVerem: Ilustração da capa do índice intitulado "The Global Drug Policy Index 2021", em fundo laranja e bordas com formas geométricas coloridas.

8 de novembro de 2021

Por Manuela Rached Pereira

O Brasil figura como último colocado em ranking internacional que avalia as políticas públicas de drogas em 30 países. O levantamento “The Global Drug Policy Index” é resultado de um projeto do Harm Reduction Consortium (Consórcio de Redução de Danos), que buscou medir e comparar o quanto as políticas nacionais de drogas e suas implementações estão alinhadas com princípios de direitos humanos, saúde pública e desenvolvimento socioeconômico.

Formado por 190 entidades de pesquisa em drogas e redução de danos pelo mundo, o Consórcio elaborou o Índice com base em quesitos que avaliam a ausência de respostas extremas do Estado em crimes relacionados a drogas, a proporcionalidade do sistema de Justiça e o acesso público a programas de saúde e redução de danos. 

Segundo o documento, as pontuações mais baixas deram-se entre políticas de drogas baseadas na repressão e punição pelos Estados. De 100 pontos possíveis, a média global ficou em 48. Enquanto a Noruega, líder do ranking, pontuou 74, o Brasil somou apenas 26 pontos, atrás de Uganda (28), Indonésia (29), Quênia (34) e México (35). O Índice contou com a avaliação de grupos de pesquisas especializados nas políticas de drogas de cada região.

Veja abaixo o ranking completo ou clique aqui.

#ParaTodosVerem: Ranking de 30 países do “The Global Drug Policy Index 2021”. Lista do primeiro ao último colocado: 1) Noruega, 2) Nova Zelândia, 3) Portugal, 4) Reino Unido, 5) Austrália, 6) Canadá, 7) Georgia, 7) Macedônia do Norte, 9) Costa Rica, 10) Senegal, 11) Marrocos, 12) Quirguistão, 12) Hungria, 14) Afeganistão, 15) Jamaica, 15) Líbano, 16) África do Sul, 17) Índia, 18) Argentina, 19) Rússia, 21) Colombia, 21) Moçambique, 21) Nepal, 24) Gana, 24) Tailândia, 26) México, 27) Quênia, 28) Indonésia, 29) Uganda, 30) Brasil.

“A desigualdade está profundamente enraizada nas políticas globais de drogas, com os 5 primeiros países pontuando 3 vezes mais que os 5 países com classificação mais baixa. Isso se deve em parte ao legado colonial de abordagem da ‘guerra às drogas’”, informa o levantamento.

O documento considera ainda que “políticas de drogas afetam desproporcionalmente pessoas marginalizadas com base em gênero, etnia, orientação sexual e condição socioeconômica”.

Das cinco categorias analisadas pelo Consórcio – (1) “ausência de respostas extremas”, (2) “proporcionalidade e justiça criminal”, (3) redução de danos, (4) acesso a medicamentos e (5) desenvolvimento [para fornecer políticas sustentáveis e alternativas ao cultivo de safras para produção de drogas ilegais]  –, o Brasil pontuou nas quatro primeiras, com notas 45, 20, 9 e 31, respectivamente. 

A prevalência de assassinatos extrajudiciais por agentes do Estado é apontada como um problema endêmico no Brasil. Segundo o documento, a violência policial e as prisões, voltadas principalmente contra “grupos étnicos específicos, mulheres e pessoas de baixa renda”, ocorrem com muita frequência no país. Além disso, o levantamento considera que práticas de confinamento não consensual em “centros de tratamento compulsório” ocorrem “em grande medida” no país.

Sobre a baixa pontuação no quesito de redução de danos, a diretora de assuntos científicos do Desinstitute, Nicola Worcman, explica que a pesquisa considerou perguntas sobre a aplicação da abordagem em estratégias voltadas principalmente ao uso de substâncias injetáveis, como os opióides, cujo o consumo é mais comum em outros países do que no Brasil. 

“Desde 2017, as políticas de redução de danos vêm sofrendo ataques e desinvestimento por parte do governo federal e isso tem impactado diretamente na forma como a abordagem é hoje deslegitimada pelo Estado e menos valorizada em serviços públicos. Só é preciso lembrar que, em alguns cenários, o SUS ainda a aplica bem, vide as práticas de redução de danos presentes em CAPS AD e Consultórios na Rua, por exemplo”, complementa.

A diretora do Desinstitute ressalta ainda que a baixa avaliação geral do Brasil no ranking é resultado de uma política de drogas “criminalizadora, violenta e retrógrada”, que o Estado brasileiro adota em todas as esferas do poder e contra populações específicas.

“Embora o Brasil não tenha pena de morte tipificada por lei, como outros países avaliados no ranking, o principal problema da política de drogas no país é a violência estatal e o encarceramento em massa com endereçamento claro e fixo: pessoas pretas, jovens, pobres e faveladas”, afirma.

Ainda segundo Worcman, “enquanto houver falta de vontade política, tanto por parte do Executivo, como do Legislativo e Judiciário, de fazer avançar agendas que já são consensos internacionais, como a despenalização para crimes de pequeno porte relacionados ao tráfico de drogas e a descriminalização da maconha, por exemplo, o Brasil vai seguir pontuando muito mal”.

O Desinstitute e diversas organizações da sociedade civil nacionais e internacionais enxergam a necessidade de reformar a Lei de Drogas brasileira, que nos últimos 15 anos contribuiu para o aumento da violência policial e para o encarceramento em massa contra populações estruturalmente marginalizadas.

“[Pessoas] de classe média e alta recebem um tratamento, enquanto na favela você pode ser assassinado a qualquer momento porque a favela é considerada um ‘território de tráfico’. Sou afetada por esta guerra diariamente. Todos os dias e, na maioria das vezes, existe um clima de apreensão e angústia. As pessoas estão sempre de luto, sempre tem um vizinho que teve sua criança assassinada. E aí a favela fica em silêncio; porque ela está em luto”, relatou Fatinha Lima, moradora do Morro da Providência, primeira favela do Rio de Janeiro (RJ), à consultora da REDUC (Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos), Dayana Rosa.

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