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Justiça determina a suspensão de resolução do CONAD que flexibilizava a internação de adolescentes em comunidades terapêuticas
A sentença determinou o cancelamento de todos os contratos, convênios e termos de parcerias feitos pela União, com base na resolução, para o custeio de tais entidades.
15 de setembro de 2022
Por constatar violações das regras de proteção à criança e ao adolescente e das regras de acolhimento previstas na legislação, bem como por violações às normas de competência em razão da ausência do CONANDA na elaboração, a 12ª Vara Federal de Pernambuco declarou a ilegalidade da Resolução 3/2020 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), em decisão numa Ação Civil Pública, que previa o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas para tratamento da dependência de álcool e drogas, que tramitou sob o nº 0813132-12.2021.4.05.8300.
A sentença determinou o cancelamento de todos os contratos, convênios e termos de parcerias feitos pela União, com base na resolução, para o custeio de tais entidades.
Também foram estipulados o desligamento dos adolescentes atualmente acolhidos em até 90 dias (com a exceção daqueles internados por decisão judicial) e a interrupção do financiamento federal das vagas nas comunidades terapêuticas. O Ministério da Saúde deve garantir o atendimento regular dos jovens desligados.
O caso
A ação civil pública foi ajuizada contra o governo federal pelas Defensorias Públicas da União e dos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Paraná.
O Desinstitute também atuou na demanda, tendo sido deferida sua participação como amicus curiae, juntamente com outras instituições que possuem como objeto a defesa de Direitos Humanos.
Segundo as instituições autoras, a resolução do Conad desconsiderou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e demais normativas atinentes, bem como a política nacional de atenção à saúde mental e ao uso de drogas.
Outro argumento era a incompetência do Conad para regulamentar um tema relacionado aos direitos da criança e do adolescente sem a participação conjunta do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O órgão já se posicionou de forma contrária à possibilidade de qualquer tipo de acolhimento ou internação de adolescentes em comunidades terapêuticas.
Além disso, as defensorias lembravam que a Lei de Drogas proíbe expressamente qualquer modalidade de internação em comunidades terapêuticas. Tais situações são autorizadas somente em unidades de saúde ou estabelecimentos hospitalares, em casos excepcionais.
Fundamentação
A juíza Joana Carolina Lins Pereira destacou outro trecho da Lei de Drogas, segundo o qual atividades de prevenção ao uso de drogas por crianças e adolescentes devem seguir as diretrizes do Conanda.
“Se a lei assim determinou, no ponto concernente às atividades de prevenção, deve-se compreender, com maior razão, a necessidade de participação do Conanda também no ponto alusivo às atividades de acolhimento dos jovens dependentes”, assinalou a magistrada.
Joana ainda observou que as competências regulamentares do Conad não abrangem programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de drogas.
A União alegava que a Resolução 3/2020 teria fundamento na Resolução 1/2015, também do Conad. A juíza indicou que o próprio órgão atribuiu a ele próprio, indevidamente, a competência para regulamentar o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas.
Além disso, o Conad teria infringido sua própria resolução de 2015. Isso porque o ato determinava a necessidade de articulação “com as instâncias competentes das políticas públicas para adolescentes” na edição de normas próprias sobre o tema, o que não ocorreu.
A magistrada também ressaltou que, conforme a Portaria 3.088/2011 do Ministério da Saúde, as comunidades terapêuticas só podem oferecer cuidados contínuos para adultos.
Na visão de Joana, a resolução do Conad violou regras protetivas da criança e do adolescente. As comunidades terapêuticas recebem orçamento da União para acolhimento dos jovens, mas não fiscalizam ou controlam adequadamente as regras aplicáveis aos adolescentes nesses espaços.
“A União não tem controle da quantidade de adolescentes que estão acolhidos nessas comunidades terapêuticas, bem como não possui o plano individual de atendimento de todos eles”, constatou a juíza, com base em informações coletadas na instrução do processo.
Por fim, haveria “uma série de infringências às próprias regras de acolhimento”, como a ausência de avaliação médica prévia e a inexistência de um plano de acompanhamento individual dos jovens, argumentos esses também explicitados na manifestação apresentada a título de amicus curiae tanto pelo Desinstitute como pelas demais instituições incluídas da demanda.
Diversas foram as comunidades terapêuticas analisadas, sendo repetitivo os relatos de ausência de decisão que justifique a restrição de liberdade do adolescente internado, como as inúmeras constatações de torturas, submissão a práticas religiosas forçadas, além de abuso sexual e uso de medicação sem orientação e acompanhamento médico.
A decisão ainda está sujeita a revisão pelo sistema recursal do judiciário, mas sem dúvidas demonstra o avanço na matérias, com a articulação de diversas instituições que se esforçam continuamente na defesa dos direitos humanos, em especial, para o Desinstitute, a políticas públicas que promovam saúde mental e o devido cuidado com pessoas que demonstrem o uso abusivo de álcool e outras drogas.
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