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Panorama histórico do autismo: concepções diagnósticas, ativismo familiar e direitos assegurados
3 de outubro de 2024
O entendimento do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) evoluiu consideravelmente desde suas primeiras descrições. O estudo histórico do autismo revela um percurso repleto de transformações conceituais e disputas, moldado pelo ativismo familiar e as mudanças nas abordagens diagnósticas.
O conceito de autismo começou a ser delineado em 1943, quando o psiquiatra Leo Kanner descreveu o transtorno como “autismo infantil precoce”. Durante as décadas de 1940 a 1960, a explicação psicanalítica predominou, atribuindo o transtorno a problemas na relação mãe-filho. A partir da década de 1970, essa visão foi contestada por ativistas como Bernard Rimland, que defendeu que o autismo era uma disfunção cognitiva e não resultado de falhas familiares.
Nos anos 1980, o ativismo se intensificou, focando na busca de causas biológicas e genéticas para o autismo. Pesquisadores como Lorna Wing investigaram a base genética do transtorno, enquanto o crescente interesse da indústria farmacêutica levou ao desenvolvimento de medicamentos voltados para o autismo. Tratamentos como o metilfenidato, usado no TDAH, também foram introduzidos para o TEA, alinhando-se às pesquisas em neurociência e disfunções cognitivas.
O processo de diagnóstico do autismo, desde o início, tem sido marcado por uma série de revisões nas classificações. Antigas edições do DSM já classificaram o autismo como um sintoma da “Reação Esquizofrênica tipo Infantil”. A versão mais recente consolidou o termo Transtorno do Espectro do Autismo e definiu o TEA como um transtorno de neurodesenvolvimento.
O ativismo familiar tem sido essencial na luta pelos direitos e melhor entendimento do autismo. Em 1983, foi criada a Associação de Amigos do Autista (AMA) em São Paulo, e em 1988, a Associação Brasileira de Autismo (ABRA). Essas organizações desempenharam um papel fundamental na promoção da conscientização e na busca por atendimento especializado.
O Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB), fundado em 2005, marcou um ponto significativo no ativismo nacional, promovendo o Dia Mundial do Orgulho Autista e contribuindo para a elaboração de legislações importantes, como a Lei Berenice Piana e a Lei Fernando Cotta, que garantiram políticas públicas voltadas para pessoas com TEA.
Atualmente, o campo do TEA enfrenta desafios contínuos e divergências nas abordagens de tratamento. Algumas organizações criticam métodos baseados em adaptação comportamental, como a Análise Aplicada do Comportamento (ABA), argumentando que esses métodos replicam uma forma de tratamento manicomial moderno, priorizando a conformidade em detrimento de um cuidado mais acolhedor. Organizações como a Neurodiversidade, defendem que, em vez de tentar “normalizar” pessoas com diagnóstico de autismo, a sociedade deve se ajustar à diversidade neurológica.
Essas disputas refletem um panorama complexo e multifacetado do TEA, que envolve questões diagnósticas, métodos de intervenção e o papel fundamental do ativismo familiar na promoção de direitos e inclusão.
Histórico
A trajetória do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) envolve transformações profundas, desde sua concepção inicial por Leo Kanner até o ativismo familiar e diagnósticos.
Importante destacar que Whitaker (2017) analisa o problema da medicalização em diversos países no mundo, descrevendo como a indústria se tornou uma fonte de negócios altamente lucrativo dos países capitalistas.
Seguindo as reflexões do autor, retoma-se a epidemia que se deu em torno do TDAH, em que questões do desenvolvimento e comportamentais da infância se transformaram em doenças a partir do lançamento da medicação metilfenidato.
Em que pese as diferenças entre a epidemia de TDAH e a que hoje é presenciada em torno do autismo, é possível concordar com o autor que a mesma história se repete quanto ao silenciamento do discurso médico sobre a ausência da constatação, pela literatura científica, de que a origem orgânica do TEA é ainda desconhecida.
Também haveria, nesses dois quadros, um ocultamento dos efeitos colaterais a longo prazo das medicações que são prescritas para as pessoas com TEA, tal como houve para o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
O ocultamento das dissidências existentes em torno da origem dos transtornos, seja no caso do TDAH ou no caso do TEA, dificulta escolhas livres dos familiares aos diferentes tipos de tratamentos, orientados por abordagens pautadas no modelo biomédico ou no psicossocial. Tal ocultamento vem cobrando um preço alto de toda a sociedade, em diferentes países, por conta da dependência vitalícia de medicações, pelo aumento notório de incapacidade laboral por doenças mentais, afetando, inclusive, adolescentes, jovens e adultos e impactando no aumento de aposentadorias por invalidez de tais pessoas, como alerta Whitaker (2017).
O relatório pode ser acessado aqui.