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Dona Ivone Lara é um nome que ressoa entre o samba e a saúde mental, mas sua história ainda não é tão lembrada quanto deveria
20 de novembro de 2024
Dona Ivone Lara é conhecida pelo samba, mas sua trajetória vai muito além da música. Ivone é pioneira na saúde mental e na luta antimanicomial no Brasil. Enfermeira, terapeuta ocupacional e precursora da musicoterapia, Dona Ivone transformou o cuidado psiquiátrico ao introduzir a arte e a música como formas de expressão e cura, ao lado de Nise da Silveira. Sua luta, porém, ainda é marcada pelo apagamento, por isso, lembrar de sua contribuição é importante para honrar sua história de coragem e cuidado.
Nascida em 1921, no Rio de Janeiro, ela perdeu os pais ainda criança e foi educada em um colégio interno onde se apaixonou pela música. Anos mais tarde, conquistou uma bolsa para estudar na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, onde se tornou uma das primeiras mulheres negras a ter um diploma de ensino superior no Brasil. Essa foi uma vitória não só para ela, mas para todas as mulheres negras que ainda enfrentavam barreiras sociais e raciais.
Ao escolher a enfermagem, Dona Ivone não imaginava que sua vocação a conduziria para uma das frentes mais sensíveis e desafiadoras da saúde: o cuidado em saúde mental. No Centro Psiquiátrico Nacional, ela iniciou uma jornada ao lado de Nise da Silveira, onde viu de perto o sofrimento de muitos pacientes tratados de forma desumana e asilar.
Naquela época, o trabalho de enfermagem psiquiátrica era mecânico e restrito, baseado apenas em cumprir ordens médicas. Mas Dona Ivone sentia que os pacientes precisavam de algo mais profundo e humanizado, e, junto a Nise, ajudou a transformar as práticas de cuidado.
Foi nesse contexto que ela se destacou como pioneira na terapia ocupacional e introduziu a musicoterapia. Dona Ivone criou oficinas de música e incentivou os pacientes a expressarem suas emoções através do canto e da dança, celebrando pequenas vitórias e permitindo que pacientes, familiares e funcionários se reunissem em apresentações e festas. Ela não só trouxe a música para dentro do hospital, mas também o espírito do samba e da celebração da vida, dando aos pacientes uma forma de se enxergarem além do seu sofrimento.
Por mais de 30 anos, Dona Ivone trabalhou no campo da saúde mental, enfrentando não só o preconceito da área, mas também o racismo que, ainda hoje, apaga sua importância. Como mulher negra e sambista, ela atravessou décadas em luta, tanto na saúde mental quanto na música, tornando-se a primeira mulher a assinar uma composição para o samba-enredo de uma escola de samba. Ainda assim, sua história na saúde mental, marcada pela introdução da musicoterapia e pela humanização dos cuidados psiquiátricos, é frequentemente ignorada.
Dona Ivone Lara foi uma figura histórica que abriu caminho para que a música e a arte fossem reconhecidas como um tratamento mais humano. Ao lembrar sua história, honramos não só uma grande sambista, mas uma mulher visionária, que fez da sua vida uma luta contra os manicômios e pela dignidade humana.