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As comunidades terapêuticas devem ter uma diversidade cultural e religiosa?

As comunidades terapêuticas devem ter uma diversidade cultural e religiosa?

5 de dezembro de 2024

Por desinstitute

O debate sobre as Comunidades Terapêuticas (CTs) no Brasil revela uma série de problemáticas que precisam ser enfrentadas com seriedade e comprometimento. Embora muitas dessas instituições sejam geridas por organizações religiosas, sobretudo evangélicas, o cerne da questão está na estrutura que a maioria dessas CTs reproduzem — uma lógica manicomial que viola direitos humanos, negligencia cuidados baseados na ciência e perpetua práticas de exclusão e abuso.

Relatórios e denúncias frequentes apontam para muitas situações degradantes nesses espaços: restrições arbitrárias à liberdade, práticas de isolamento forçado, tratamentos não baseados em evidências científicas, e abusos físicos e psicológicos. Essas condições refletem uma abordagem que fere princípios fundamentais do cuidado em saúde e agrava o sofrimento psíquico e social das pessoas atendidas.

Embora a gestão religiosa predomine, o problema das CTs transcende a fé professada por quem as administra. A questão central está na falta de uma estrutura de cuidado que priorize a saúde integral e a autonomia das pessoas. Transformar essas instituições em locais multiconfessionais, com maior diversidade de crenças, não resolveria a base estrutural.

O cuidado efetivo para pessoas em uso abusivo de substâncias ou em sofrimento psíquico exige um modelo centrado no sujeito, na liberdade, na ciência e na inclusão comunitária. 

O fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) deve ser a prioridade, investindo em serviços que garantam:

  • Redução de danos, como estratégia central para o cuidado em saúde.
  • Atendimento multiprofissional, com psicólogos, terapeutas ocupacionais, médicos, assistentes sociais e outros profissionais capacitados.
  • Inserção comunitária, para que a pessoa seja acolhida em seu contexto social e tenha suas redes de apoio fortalecidas.
  • Compromisso com a laicidade do Estado, assegurando que o cuidado seja inclusivo e respeite as diversidades religiosas e culturais sem imposições.

Portanto, o foco não deve estar em multiplicar CTs ou em adaptá-las para diferentes credos, mas em transformar a política de saúde mental e de cuidado para pessoas em situação de adicção. Precisamos desmantelar estruturas que reproduzem violações e construir serviços de saúde que respeitem a dignidade, a liberdade e os direitos humanos.

Acreditamos que o caminho para um cuidado eficaz não passa por espaços de controle ou isolamento, mas por uma saúde pública robusta, comprometida com a ciência, a redução de danos e a construção de autonomia. 

Apesar de muitas comunidades terapêuticas (CTs) se apresentarem como clínicas para o tratamento de abuso de substâncias, sejam geridas por organizações religiosas ou não, elas frequentemente reproduzem uma estrutura manicomial. Isso se manifesta por meio de pseudo-tratamentos que violam direitos humanos, incluindo isolamento, abuso patrimonial, psicológico, moral e sexual, punições, laborterapia e trabalho análogo à escravidão, além de contenções químicas e físicas e restrição de espaço, entre outras práticas já denunciadas em relatórios de fiscalização.

Algumas CTs, sejam clínicas terapêuticas ou espaços religiosos, utilizam a ayahuasca como um “caminho de cura” que perpetua essa lógica manicomial. Isso desconsidera os saberes ancestrais e ignora que o sofrimento humano está relacionado a diversos fatores sociais, culturais e de saúde pública, e não apenas à dependência química. A redução de danos, por sua vez, valoriza o cuidado integral ao sujeito, com práticas e estratégias focadas na proteção, no cuidado e no autocuidado.

O cuidado em saúde mental deve priorizar espaços laicos e inclusivos, promovendo a liberdade individual. Daí a importância do fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), na perspectiva da redução de danos, sempre respeitando a liberdade e a dignidade das pessoas.

O cuidado só é cuidado quando promove a liberdade.

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