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Estado de vigilância: o racismo como controle e sofrimento psíquico

Da abordagem policial à entrevista de emprego, da entrada em lojas ao simples caminhar na rua, a sociedade vigia, suspeita, controla e adoece corpos pretos.

Estado de vigilância: o racismo como controle e sofrimento psíquico

8 de junho de 2025

Por desinstitute

“Desde cedo a mãe da gente fala assim:

‘filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor.’

Aí passado alguns anos eu pensei:

Como fazer duas vezes melhor, se você tá pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses… por tudo que aconteceu? duas vezes melhor como ?

Ou melhora ou ser o melhor ou o pior de uma vez.

E sempre foi assim.

Você vai escolher o que tiver mais perto de você,

O que tiver dentro da sua realidade.

Você vai ser duas vezes melhor como?

Quem inventou isso aí?

Quem foi o pilantra que inventou isso aí ?

Acorda pra vida rapaz”

A Vida É Um Desafio – Racionais Mc’s

A introdução da música dos Racionais sintetiza o que é viver sendo uma pessoa preta em uma sociedade que opera pela lógica do controle, do castigo e da eliminação.

A cor da pele define quem é suspeito, quem merece cuidado, quem vive e quem morre. Ser uma pessoa preta no Brasil é viver sob constante vigilância. Vigilância da polícia, dos seguranças de shopping, dos olhares desconfiados nos estabelecimentos, da tensão ao andar por “espaços brancos”. É viver em estado de alerta contínuo, porque qualquer distração pode custar a liberdade ou a vida.

Essa vigilância é física, simbólica e psíquica. Ela produz sofrimento, corroi a autoestima e a saúde mental, cria um cansaço físico e existencial.

O racismo estrutural é rotina na sociedade

Em 2024, Thiago Santos, homem negro de 29 anos, foi assassinado pela Polícia Militar em Salvador. Em 2022, Genivaldo de Jesus foi sufocado até a morte dentro de uma viatura da PRF em Sergipe. Esses casos não são exceção, são regra. E a regra é racial.  O filósofo camaronês Achille Mbembe descreve esse fenômeno como necropolítica: o poder de decidir quem pode viver e quem deve morrer. No Brasil, o Estado exerce esse poder seletivamente e os corpos negros são seu principal alvo.

A filósofa Sueli Carneiro denuncia que o racismo é o grande organizador das relações sociais no país. Ele estrutura a exclusão e legitima a vigilância permanente sobre corpos pretos.

A saúde mental da população negra não pode ser pensada fora desse contexto

A psiquiatra Neusa Santos Souza, no livro “Tornar-se Negro”, mostra como o racismo desestrutura subjetividades desde a infância. O sujeito negro, para existir, precisa se reconstruir a partir da dor. A luta não é apenas por aceitação, mas por sobrevivência.

Frantz Fanon, psiquiatra martinicano, também teorizou o impacto do racismo na constituição do eu em “Pele Negra, Máscaras Brancas”. Para ele, o racismo colonial imprime na mente da pessoa negra a sensação de inferioridade e alienação. Lélia Gonzalez alertava para a forma como o racismo opera também nos afetos: não só nos impede de acessar espaços sociais, mas também nos atravessa emocionalmente, gerando autoculpa, medo e silenciamento.

Bell Hooks reforça essa crítica: “A supremacia branca nos ensina a odiar a nós mesmos”. De acordo com a autora, o racismo ensina pessoas pretas a desconfiar uma das outras, a duvidar de sua inteligência e a individualizar um problema estrutural. Com todas as implicações que o racismo resulta na vida de pessoas pretas, “Como ser duas vezes melhor, se você tá cem vezes atrasado pela história?”

É importante ressaltar que não há saúde sem liberdade. Não há cuidado sem reparação. Não há vida plena sob vigilância.

 

 

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