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Projeto quer revogar resolução federal que encaminha crianças e adolescentes a comunidades terapêuticas
Para deputados, resolução publicada em julho de 2020 pelo Conselho Nacional de Política sobre Drogas (CONAD) é ilegal e contraria diretrizes do ECA
5 de abril de 2021
No início deste ano, o Projeto de Decreto Legislativo 354/20 foi apresentado à Câmara dos Deputados pela Frente Parlamentar Mista de Promoção e Direitos da Criança e do Adolescente. A proposta visa impedir que o encaminhamento a comunidades terapêuticas de meninos e meninas, com idade entre 12 e 18 anos incompletos, encontre base legal — a partir de resolução publicada em julho de 2020 pelo Conselho Nacional de Política sobre Drogas (CONAD). Atualmente, o PDL está parado na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), da Câmara.
Ouvidos pela Agência Câmara de Notícias, os deputados signatários da proposta defendem que a norma do governo é ilegal. Na visão dos parlamentares, não é competência do Conad, vinculado ao Ministério da Justiça, regulamentar políticas para menores de 18 anos.
“O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] e o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente conferem ao Conanda [Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente], e não ao Conad, a competência de elaborar normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, além de fiscalizar a execução dela”, argumentam.
Os parlamentares lembram que o Conad foi um dos conselhos que teve excluída a participação da sociedade civil em julho de 2019, por meio de decreto presidencial. “Desde então, tornou-se meramente uma extensão do Ministério da Justiça, desprovido da legitimidade da participação social inerente aos conselhos gestores de políticas públicas,” afirmaram à reportagem da Agência.
Os integrantes da frente parlamentar avaliam ainda que, além do vício de iniciativa, a resolução do Conad contraria o ECA. Eles ressaltam que o estatuto determina que o acolhimento institucional de crianças e adolescentes deve ser algo provisório e excepcional, e somente pode ocorrer em casos de violação dos direitos dessa população, sendo sua aplicação de competência exclusiva da autoridade judiciária.
“Pelo texto do governo, qualquer adolescente que tenha problema (sem delimitar esse conceito) com álcool e outras drogas pode se tornar residente em uma comunidade terapêutica, exceto ‘aqueles que tenham comprometimentos biológicos e psicológicos de natureza grave que mereçam atenção médico-hospitalar contínua ou de emergência e que necessitem de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial’”, sustenta a presidente da Frente, Maria do Rosário.
Por fim, Rosário afirma que a resolução burla a legislação vigente ao tentar criar uma modalidade de acolhimento de adolescentes, “com o objetivo explícito de atender às demandas de ampliação de mercado das comunidades terapêuticas, o que também configura inadmissível violação aos direitos da infância e adolescência”.
O Desinstitute reitera a importância e urgência da votação do projeto pelos deputados federais, uma vez que o que está em jogo é a vida de crianças e adolescentes com necessidades de acolhimento e cuidado, que devem ter garantido o direito à convivência escolar, comunitária e familiar. Ressalta ainda que comunidades terapêuticas brasileiras acumulam denúncias de violações de direitos humanos relacionadas à adoção de formas antigas e cruéis de “tratamento”, que incluem castigos, crimes de cárcere privado, medicalização excessiva e trabalho forçado.