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Cura de quê? Para quem? E por quê?
Em que consiste as terapias de reversão sexual?
30 de junho de 2023
Por Daniel Amancio
Terapias de reversão sexual partem de uma premissa que considera a cisheteronormatividade como única maneira possível, correta e normal de ser e existir no mundo. Imagine 8 bilhões de pessoas cabendo em apenas duas caixinhas? Um jeito único de ser homem ou mulher e também de desejar afetiva e sexualmente outras pessoas.
Essa concepção é baseada em fundamentações e interpretações religiosas, biologicistas e ou conservadoras de um modo geral, frutos de uma construção social, que negam e aniquilam a subjetividades de pessoas da comunidade LGBTQIAPN+. São discursos que negam sua existência e sua maneira de ser no mundo e muitas vezes adoecem pela falta de pertencimento, pela violência física, psicológica e simbólica, que permeiam sua vida desde a primeira infância até a velhice.
Terapia de reversão sexual consiste em uma prática violenta e infundada cientificamente — mesmo que disfarçada como uma narrativa de amor e afeto –, que tem o objetivo de reverter ou curar a orientação sexual ou identidade de gênero de qualquer pessoa que seja dissidente desta cisnormatividade. Se o ponto de partida é patologizar e demonizar estas identidades, o resultado só pode ser violação da dignidade humana.
É importante saber:
- Desde 1973 a Associação Americana de Psiquiatria deixou de considerar a homossexualidade uma doença.
- No Brasil, desde 1985 o Conselho Federal de Medicina também retirou da lista de transtornos mentais a homossexualidade.
- 1990, foi a vez da Organização Mundial da Saúde (OMS) também deixar de considerar a homossexualidade uma doença.
Ou seja, há pelo menos 33 anos, a homossexualidade deixou de ser considerada doença, mas diariamente diversos grupos políticos, grupos socais fundamentalistas e conservadores tentam, por meio de dispositivos diversos, viabilizar e promover curas e terapias que visam essa conversão. Sejam em consultórios, congressos e retiros espirituais de cura. Mas se não é doença, o que há então para ser curado?
O posicionamento do Conselho Federal de Psicologia (CFP) é explícito e demarca este enfrentamento ao preconceito em duas resoluções importantes:
- 01/1999 – Que estabelece que não cabe a profissionais da Psicologia no Brasil o oferecimento de qualquer tipo de terapia de reversão sexual, uma vez que a homossexualidade não é considerada patologia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
- 01/2018 – Estende esta mesma compreensão e garantia de não patologização das pessoas das pessoas transexuais e travestis.
Os efeitos que estas terapias falaciosas que visam uma reversão sexual são devastadores.
Essas violências podem produzir e potencializar diretamente quadros de ansiedade, depressão, tentativas de suicídio e muitas vezes a materialização do suicídio, transtornos alimentares, uso abusivo de drogas, sentimento de vergonha, culpa, preocupação, estado de vigilância, relacionamentos sociais prejudicados e um estresse crônico advindo de condições sociais LGBTfóbicas. Veja mais sobre o conceito de “estresse de minorias” de Meyer (2003).
Para aprender mais, recomendamos o filme “Prayers for Bobby” (Orações para Bobby), baseado em uma história real nos Estados Unidos, mostra a dinâmica de uma família que tentou “curar” a homossexualidade do filho Bobby.
Outra recomendação é o livro “Tentativas de aniquilamento de subjetividades LGBTIs”, que apresenta um mosaico de histórias de LGBTIs+ que retratam os intensos sofrimentos ético-políticos e os processos de resistência decorrentes de diversas formas de violências, preconceitos, injustiças e exclusão. Disponível gratuitamente para download no site do Conselho Federal de Psicologia.
*Daniel Amancio é psicólogo clínico, ativista de direitos humanos, mestrando em Estudos da Condição Humana, pesquisador de relações de gênero, raça, sexualidade e classe.