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Desinstitute lança publicação digital “Desinstitucionalização – Da saída do manicômio à vida na cidade: estratégias de gestão e de cuidado”
O principal objetivo do documento é influenciar e respaldar tecnicamente o desenvolvimento de políticas públicas de saúde mental comunitária, baseadas em evidências, e orientadas por princípios democráticos, de defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e de garantia dos direitos humanos a todas as pessoas.
30 de maio de 2023
“Não se tem saúde mental em isolamento, saúde mental é produção de cidadania, é garantir direitos.” É com essa fala do diretor executivo do Desinstitute, Lúcio Costa, que a organização anuncia o lançamento da publicação digital “Desinstitucionalização – Da saída do manicômio à vida na cidade: estratégias de gestão e de cuidado”. O documento mostra ao público o resultado de um trabalho que reuniu gestores públicos, militantes e pessoas desinstitucionalizadas de manicômios, e foi lançado no último dia 26 de maio, durante o Seminário Latino-americano de Direitos Humanos e Saúde Mental: nos caminhos da Desinstitucionalização, realizado pelo Desinstitute em parceria com o Escritório Regional da ONU Direitos Humanos para a América do Sul (ROSA ACNUDH), a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e o Conselho Federal de Psicologia (CFP).
A publicação tem como base os amparos conceituais, legais e técnicos de diferentes áreas e de variadas experiências no âmbito da saúde mental. A sistematização do conjunto de estratégias reunidas no documento pode levar o leitor a olhar, problematizar a sua realidade e, ao mesmo tempo, projetar processos de desinstitucionalização.
O principal objetivo do documento é influenciar e respaldar tecnicamente o desenvolvimento de políticas públicas de saúde mental comunitária, baseadas em evidências, e orientadas por princípios democráticos, de defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e de garantia dos direitos humanos a todas as pessoas.
Para elaboração deste documento, foi instituído o Grupo de Discussão e Acompanhamento (GDA), composto por um coletivo de pessoas que apresentam diferentes inserções nos processos de desisntitucionalização no Brasil. Os pesquisadores da publicação, Enrique Bessoni e Marcela Lucena, destacam que é urgente o combate à ideia de que se deve isolar a pessoa com sofrimento mental em nome de pretensos tratamentos, ideia baseada apenas nos preconceitos que cercam pessoas com transtornos mentais..
Luta antimanicomial
No cenário brasileiro, a Política de Saúde Mental promove a redução programada de leitos psiquiátricos de longa permanência. Com pacientes em cárceres, instituições de tratamento forçado ou de permanência obrigatória, produzem efeitos nocivos para a vida das pessoas, além de onerar os cofres públicos.
Neste sentido, grupos de Luta Antimanicomial e organizações da sociedade civil a exemplo do Desinstitute, se preocupam com ações do governo que fomentam e agravam os casos de pacientes psiquiátricos no país, tendo em vista que instituições com características asilares continuam sendo fomentadas e existentes no Brasil, entre elas, os hospitais psiquiátricos (HP) e de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP).
A publicação é também uma ferramenta para relembrar que, como todo cidadão, estas pessoas têm o direito fundamental à liberdade, o direito a viver em sociedade, além do direito a receber cuidado e tratamento sem que para isto tenham que abrir mão de seu lugar em sociedade.
Lucio Costa, diretor executivo do Desinstitute, salienta a questão dos direitos do paciente e defende o método de tratamentos sem privação de liberdade. “O tratamento deve conectar essa pessoa à educação, ao trabalho, ao afeto, ao amor, à cultura. E isso só pode ser feito em sociedade”, afirma.
Lei 10.216
Promulgada em 6 de abril de 2001, a Lei 10.216 estabeleceu novas diretrizes para políticas de saúde mental, ao prever a substituição progressiva dos manicômios no país por uma rede complexa de serviços que compreendem o cuidado em liberdade como elemento fundamentalmente terapêutico. Ficou estabelecido assim, que a pessoa com transtorno mental, “sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno (…)”, deve ser “tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade [art. 2º, § II]”.
Ainda no campo das conquistas acompanhadas de forte mobilização internacional, foram a aprovação, pelo Congresso brasileiro, da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (com status de Emenda Constitucional) no ano de 2009, e a criação da Lei 13.146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), que abarca os direitos das pessoas com transtornos mentais ou decorrentes do uso de álcool e outras drogas.
A desinstitucionalização vem resultando no fechamento de milhares de leitos em hospitais psiquiátricos pelo país – de 80 mil até os anos de 1980, para cerca de 19 mil, em 2020. Os dados foram apresentados pelo Desinstitute na publicação Painel Saúde Mental – 20 anos da lei 10.216/01, disponível aqui.
“Diferentemente do que se possa imaginar, fechamento de hospitais psiquiátricos não significa desassistência, muito pelo contrário. É compreender que o fechamento e a desinstitucionalização de pessoas internadas há anos nessas instituições, possibilita que o redirecionamento do recurso público possa ser realizado a uma rede ampla e complexa de serviços que substituam a lógica da exclusão de pessoas em manicômios, tendo como eixo estruturante de qualquer processo terapêutico a liberdade, a garantia de direitos e a construção de um projeto terapêutico que seja singular, atendendo exclusivamente a necessidade de cada pessoa.
Com relação aos usuários de drogas, o mesmo acontece, pois o combinado de exclusão e abstinência são projetos violadores de direitos.. Não é concebível qualquer projeto de tratamento que seja permeado pela violência, segregação e determinação para que a pessoa pare de usar drogas, pelo contrário: somente a construção de um projeto de tratamento singular, assim como de um projeto de vida, que tenha como base os princípios da perspectiva da redução de danos, que pode tornar a política pública mais assertiva.”, conclui Costa.