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Desinstitute se manifesta e convoca demais entidades a apoiar resolução nº 487 do CNJ

Em meio a uma escalada de falsas notícias, o Desinstitute se manifesta e pede apoio às diversas organizações da sociedade civil e instituições em geral em favor da resolução nº 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Desinstitute se manifesta e convoca demais entidades a apoiar resolução nº 487 do CNJ

20 de abril de 2023

Por desinstitute

Em meio a uma escalada de falsas notícias, o Desinstitute se manifesta e pede apoio às diversas organizações da sociedade civil e instituições em geral em favor da Resolução nº 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A medida institui a Política Antimanicomial no Poder Judiciário e estabelece diretrizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei n. 10.216/01, no âmbito do processo penal e da execução de medida de segurança.

Primeiramente, é fundamental destacar que não se deve associar a loucura a ações criminosas influenciadas pela cultura de violência e segregação social. Essa associação acaba por endossar o discurso histórico – e que alimenta o moinho da violência – de que pessoas com transtornos mentais oferecem perigo à sociedade e, por isso, ao invés de cuidadas, devem dela ser apartadas.

A resolução, por sua vez, aponta procedimentos a serem tomados pela Justiça para assegurar que pessoas em sofrimento psíquico recebam tratamento especializado e em local adequado desde a audiência de custódia até o cumprimento de medidas de segurança, acompanhados por uma equipe multidisciplinar.

É importante mencionar que todo aquele que, ao tempo da ação ou da omissão de um ato tipificado como crime, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento, é considerado inimputável. A inimputabilidade é um instituto técnico do Direito Penal, tido como um elemento que constitui aquilo que será entendido como um fato criminoso. O “tipo penal”, para existir, precisa percorrer três etapas: o fato precisa ser típico, que é o enquadramento da conduta em algum artigo do Código Penal; ilícito, que demonstra a contrariedade entre o fato típico que alguém cometa e a estrutura de leis do país; por fim, culpável, que possui como elementos constitutivos a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

Quando falamos de uma pessoa que pratica um crime e possui questões de saúde mental que a impedem de expressar a sua vontade de forma consciente e voluntária, estamos analisando o elemento imputabilidade, dentro do instituto culpabilidade, tendo o critério biopsicológico como aferição.

Tendo isso em vista, o que o Código Penal, desde 1984, estipula quando se analisa uma demanda em que o autor de um crime não tenha plena capacidade psicológica de entender sua conduta (após a aferição dessa condição pelo Incidente de Insanidade Mental, por um perito designado pelo juízo, que na maior parte das vezes é um médico psiquiatra, e não uma rede multidisciplinar), o que ficará comprometido é o elemento CULPABILIDADE. A pessoa pratica um fato típico e ilícito, porém, não cumpre o terceiro requisito para a imposição de uma pena propriamente, que é a culpabilidade.

Diante disso, a conclusão de uma sentença será pela absolvição imprópria, que resultará na aplicação de uma Medida de Segurança, que poderá ser cumprida de duas formas: 1) pela internação em HCTP ou 2) por uma medida ambulatorial, não especificando, porém, critérios ou formas de realizar essa abordagem do ponto de vista da saúde mental.

O que a resolução orienta é que, em casos como esse, o indivíduo seja avaliado por uma equipe multidisciplinar (cuja análise não é pautada exclusivamente no saber médico) e a ele seja aplicado tratamento adequado na Rede de Atenção Psicossocial, que prevê, inclusive, possibilidade de internação até o restabelecimento clínico do indivíduo, respeitando as especificidades de cada caso.

Portanto, qualquer argumentação que alegue que uma pessoa que pratique atentados ou crimes planejados se enquadra na medida de segurança e, por consequência, deve ser solta na sociedade, é inválido.

De acordo com dados do censo 2011, intitulado “A custódia e o tratamento psiquiátrico no Brasil”, os HCTPs, além de não darem conta da complexidade da questão, apenas retiram da sociedade pessoas que, por serem consideradas inimputáveis, sequer tinham capacidade de premeditar crimes perversos.

O HCTP, justamente por ser um manicômio, não dá conta da complexidade da demanda, que precisa ser vista sob a ótica da saúde, numa intersecção com o sistema de justiça. Inclusive, experiências já existentes demonstram resultados importantes quando há continuidade de tratamento comunitário, inter e multidisciplinar e em liberdade, como é o caso do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI), criado em 2006 pelo Sistema de Justiça criminal goiano, que, pautado nos princípios da Reforma Psiquiátrica, oferece ao indivíduo atenção integral e intersetorial na rede pública de saúde, viabilizando o correto acompanhamento do indivíduo ao longo do processo criminal.

A resolução formulada pelo CNJ é uma conquista não só para a Reforma Psiquiátrica brasileira, como para a agenda de direitos humanos e garantia do acesso à justiça no Brasil.

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