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PL proposto pelo Deputado Carlos Jordy representa um retrocesso severo para a Reforma Psiquiátrica Brasileira 

O Projeto de Lei visa a internação compulsória de pessoas com transtornos mentais em cumprimento de medidas de segurança

PL proposto pelo Deputado Carlos Jordy representa um retrocesso severo para a Reforma Psiquiátrica Brasileira 

19 de abril de 2024

Por desinstitute

O Projeto de Lei nº. 551/2024, proposto pelo deputado Carlos Jordy (PL-RJ), é uma iniciativa preocupante que merece atenção e resistência da sociedade civil, uma vez que altera a Lei nº. 10.216/01, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira. O PL pretende instituir a internação compulsória de pessoas em sofrimento psíquico que estejam em cumprimento de medida de segurança. 

Sob o pretexto de evitar que “criminosos sejam colocados nas ruas”, o projeto representa um retrocesso nos avanços conquistados pela política antimanicomial e pelos direitos das pessoas com transtornos mentais. O Projeto de Lei em questão surge como manobra à Resolução nº. 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem o intuito de garantir que pessoas com transtornos mentais em cumprimento de medidas judiciais recebam tratamento especializado e humanizado, em consonância com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, recepcionada pelo Brasil com status de Emenda Constitucional.

Assim como o deputado, uma parcela da população perpetua estereótipos, associando os transtornos mentais a comportamentos criminosos. Essa relação negligencia a complexidade de cada caso e reforça a ideia de que pessoas com transtornos mentais são intrinsecamente perigosas. 

É importante ressaltar que a inimputabilidade, reconhecida pelo Direito Penal, refere-se à incapacidade de compreender a ilicitude do ato. Quando uma pessoa em sofrimento psíquico comete um crime, sua inimputabilidade pode ser comprometida, o que não a isenta de responsabilidade, mas demanda uma abordagem diferenciada. Nesses casos, a aplicação da medida de segurança visa proteger tanto a sociedade quanto o próprio indivíduo, garantindo-lhe tratamento adequado, e respeitando a sua dignidade.

Contrariamente ao que propõe o PL 551/2024, a Resolução do CNJ não preconiza a soltura indiscriminada dessa população; na verdade, estabelece critérios para avaliação multidisciplinar e acompanhamento adequado na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), o que inclui a possibilidade de internação, quando necessária, para o restabelecimento clínico da pessoa. Além disso, a Resolução promove a integração entre saúde e justiça, reconhecendo a importância de abordagens multidisciplinares.

A experiência internacional e nacional demonstra que a continuidade do tratamento em meio comunitário, aliado a uma abordagem interdisciplinar, é mais eficaz do que a internação compulsória em hospitais psiquiátricos. Além do que, vale destacar que, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, ninguém deve ser submetido à internação ou a tratamento forçado. Soluções como o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI), implementado pela Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, e o Programa Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ), vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, exemplificam como é possível oferecer cuidado integral e respeito aos direitos humanos destinados a pessoas em medida de segurança.

Os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTPs), mencionados como alternativas no PL 551/2024, são instituições com características asilares, o que contraria a própria Lei nº. 10.216/01, que impede que qualquer pessoa com transtorno mental seja internada em instituições desta natureza. 

Portanto, é fundamental que o Projeto de Lei nº. 551/2024 seja rejeitado, defendendo-se a manutenção dos avanços conquistados pela Reforma Psiquiátrica e pelos movimentos históricos de trabalhadores e usuários dos serviços de saúde mental em prol do cuidado em liberdade, interdisciplinar e em comunidade. É preciso investir em políticas públicas que garantam o acesso universal à saúde mental, que promovam a inclusão social e respeitem a dignidade e os direitos humanos das pessoas em sofrimento psíquico, inclusive daquelas em conflito com a lei. 

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